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O Chamado Eficaz - Charles Spurgeon

O Chamado Eficaz - Charles Spurgeon

                                      O Chamado Eficaz

                                     Um Sermão (Nº 0073)
          Pregado na Manhã de Domingo, 30 de Março de 1856 pelo
                                 Reverendo C. H. Spurgeon
     Na Capela de New Park Street, Southwark — Londres — Inglaterra



“Quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, disse-lhe:
Zaqueu, desce depressa, pois me convém ficar hoje em tua casa” (Lucas
19:5).


Não obstante nosso firme convencimento de que vocês, em geral, estão
bem instruídos nas doutrinas do Evangelho eterno, em nossas
conversações com jovens convertidos nos damos conta de quão
absolutamente necessário é repassar nossas primeiras lições, e afirmar e
demonstrar repetidamente essas doutrinas que se encontram na base da
nossa santa religião. Portanto, nossos amigos, a quem a grandiosa
doutrina do chamado eficaz foi ensinada há muito tempo atrás,
compreenderão que, visto que eu prego de maneira muito simples nesta
manhã, o sermão está dirigido àqueles que são jovens no temor do Senhor,
para que entendam melhor este grandioso ponto de partida de Deus no
coração, o chamado eficaz dos homens, por meio do Espírito Santo.

Vou usar o caso de Zaqueu como uma grande ilustração da doutrina do
chamado eficaz. Vocês recordarão a história. Zaqueu tinha a curiosidade
de ver ao maravilhoso Homem Jesus Cristo, o qual estava colocando o
mundo de cabeça para baixo, e causando uma imensa excitação nas
mentes dos homens. Algumas vezes nos parece que a curiosidade não é
algo bom, e afirmamos que é pecado vir à casa de Deus motivado por
curiosidade; não estou muito seguro que devamos aventurar uma
afirmação dessa natureza. O motivo não é pecaminoso, ainda que,
certamente, não seja virtuoso; contudo, freqüentemente tem sido
comprovado que a curiosidade é uma das melhores aliadas da graça.
Zaqueu, movido por este motivo, desejava ver a Cristo; porém dois
obstáculos se interpunham no caminho: o primeiro, havia uma multidão
tão grande de pessoas que ele não podia se aproximar do Salvador; e o
segundo, ele era tão excessivamente baixo de estatura que não tinha a
menor esperança de poder ver-Lhe por sobre as cabeças das outras
pessoas. Que fez, então? Fez o mesmo que alguns garotos estavam fazendo
— pois os garotos daquela época eram, sem dúvida, iguais aos garotos no
tempo presente — que se empoleiraram nos ramos das árvores para ver a
Jesus, enquanto Ele passava.

Embora Zaqueu fosse um homem velho, sobe numa árvore e ali se
acomoda no meio dos garotos. Os meninos estavam muito temerosos deste
velho publicano severo, temido também pelos próprios pais deles, para
poderem derrubá-lo ao solo com um empurrão ou causar-lhe qualquer tipo
de inconveniência.

Olhem-no ali. Com que ansiedade espia para baixo, para ver quem é
Cristo; pois o Salvador não possuía nenhuma distinção pomposa; na frente
dEle não caminhava nenhum sacristão, levando uma maça de prata; não
levava em Suas mãos nenhum bastão de ouro: não estava vestido em
nenhum traje de pontífice; de fato, ia vestido como todos os que Lhe
rodeavam. Possuía uma túnica igual a de qualquer camponês comum,
feita de uma só peça, de cima a baixo; e Zaqueu tinha dificuldade em
distingui-Lo.

Contudo, antes que Zaqueu tivesse visto a Cristo, Cristo havia fixado Seus
olhos em Zaqueu, e detendo-Se debaixo da árvore, Ele olha para cima, e
lhe diz: “Zaqueu, desce depressa, pois me convém ficar hoje em tua casa”.
Zaqueu desce rapidamente; Cristo vai a sua casa; Zaqueu se converte num
seguidor de Cristo, e entra no Reino dos Céus.

1. Agora, em primeiro lugar, o chamado eficaz é uma verdade muito
graciosa. Vocês podem deduzir isto do fato que Zaqueu era um
personagem que suporíamos ser o último a ser salvo. Ele pertencia a uma
cidade má (Jericó), uma cidade que havia recebido uma maldição, e
ninguém suspeitaria que alguém poderia sair de Jericó para ser salvo. Foi
perto de Jericó que aquele homem caiu nas mãos de ladrões; confiamos
que Zaqueu não participou daquele assalto; porém, há quem, além de ser
publicano, pode ser ladrão também. Nós também podemos esperar
convertidos de St. Giles, ou dos bairros mais baixos de Londres, dos piores
e mais vis esconderijos da infâmia, assim como de Jericó naqueles dias.
Ah! meus irmãos, não importa de onde vocês tenham saído; podem vir de
uma das ruas mais sujas, um dos piores bairros marginalizados de
Londres, porém, se a graça eficaz vos chama, é um chamado eficaz que
não faz nenhuma distinção de lugares.

Zaqueu tinha também uma ocupação extremamente má, e provavelmente
enganava ao povo para se enriquecer. Na verdade, quando Cristo foi a sua
casa, se desatou um murmúrio universal, pois tinha ido para ser hóspede
de um homem que era um pecador. Porém, irmãos, a graça não faz
distinção alguma, a graça não respeita às pessoas, mas Deus chama a
quem quer, e Ele chamou a este homem, o pior dos publicanos, na pior
das cidades, envolvido na pior das ocupações. Além do mais, Zaqueu era
um dos candidatos menos prováveis para ser salvo, pois era rico. Na
verdade, tanto os ricos como os pobres são bem-vindos; ninguém tem a
menor escusa para desesperar devido a sua condição; contudo, é um fato
que “não são muitos sábios segunda a carne, nem muitos poderosos” os
que são chamados, mas “Deus escolheu os pobres deste mundo — ricos na
fé”. Porém, a graça não faz nenhuma distinção aqui.

Ao rico Zaqueu é ordenado que desça da árvore; e ele desce, e é salvo.
Sempre penso que uma das grandes mostras de condescendência de Deus
é que Ele olhe para baixo, para os homens; porém lhes direi que houve
uma maior condescendência que essa, quando Cristo olhou para cima,
para ver a Zaqueu. Que Deus se digne de olhar para baixo, para suas
criaturas: isso é misericórdia; porém, que Cristo se humilhe de tal maneira
que tenha que olhar para cima, para uma de Suas criaturas, isso revela
uma misericórdia maior.

Ah! Muitos de vocês têm subido na árvore de suas próprias boas obras, e
se empoleirado nos ramos de suas santas ações, e confiado no livrearbítrio
das pobres criaturas, ou descansado em alguma máxima
mundana; contudo, Jesus Cristo eleva Seus olhos para olhar para
pecadores orgulhosos, e os convida a descer. “Desce”, diz Ele, “pois me
convém ficar hoje em tua casa”. Se Zaqueu tivesse sido um homem de
mente humilde, sentado junto ao caminho, ou aos pés de Cristo, então,
ainda assim deveríamos admirar a misericórdia de Cristo; porém, vemo-lo
num lugar elevado, e Cristo olha para cima, para ele, e lhe ordena que
desça.

2. Continuando, dizemos que foi um chamado pessoal. Na árvore também
estavam uns garotos, juntamente com Zaqueu, porém, não havia a menor
dúvida acerca da pessoa que foi chamada. Foi “Zaqueu, desce depressa”. A
Escritura menciona outros chamados. É dito especialmente: “Porque
muitos são chamados, e poucos escolhidos”. Observem que esse não é o
chamado eficaz ao que se referia o apóstolo, quando disse: “E aos que
chamou, a estes também justificou”. Esse é um chamado geral que muitos
homens, ou melhor, todos os homens recusam, a menos que venha
acompanhado do chamado pessoal, particular, que nos faz cristãos.

Você mesmos podem dar testemunho que foi o chamado pessoal que lhes trouxe
ao Salvador. Talvez foi algum sermão que lhes conduziu a sentir que vocês
eram, sem dúvida, uma das pessoas à quem era dirigido. O texto talvez foi
“Tu és Deus que me vê”; e o ministro pôs uma ênfase especial na palavra
“me”, de tal forma que pensaste que o olho de Deus estava posto sobre ti; e
antes que terminasse o sermão, pensaste que viste a Deus abrindo os
livros para te condenar, e teu coração sussurrou: “Ocultar-se-ia alguém
em esconderijos, de modo que eu não o veja? — diz o SENHOR”. Talvez
estavas empoleirado numa janela, ou de pé, junto à multidão, no corredor;
porém, tiveste a sólida convicção de que o sermão foi pregado para ti, e
para ninguém mais. Deus não chama a Seu povo em multidões, mas um a
um. “Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, voltando-se, lhe disse, em hebraico:
Raboni (que quer dizer Mestre)!”. Jesus viu a Pedro e a João pescando no
lago, e lhes disse: “Segue-me”. Ele viu a Mateus sentado na coletoria e lhe
disse: “Levanta-te e segue-me”, e Mateus assim o fez.

Quando o Espírito Santo vem a algum homem, a flecha de Deus penetra
em seu coração: ela não arranha somente seu capacete, ou deixa um
pequeno sinal em sua armadura, mas penetra por entre as juntas dos
arreios e chega ao mais profundo da alma. Vocês têm sentido, queridos
amigos, esse chamado pessoal? Recordam quando uma voz lhes disse:
“Levanta-te, Ele te chama”? Podem recordar quando há algum tempo atrás
disseram: “Senhor meu, Deus meu”? Quando vocês sabiam que o Espírito
estava operando em vocês, e disseram: “Senhor, eu venho a Ti, pois sei que
Tu me chamas”? Eu poderia chamar vocês por toda uma eternidade sem
nenhum resultado, mas se Deus chama a alguém, haverá mais eficácia por
meio de Seu chamado pessoal a uma pessoa do que meu chamado geral a
uma multidão.

3. Em terceiro lugar, é um chamado apressador. “Zaqueu, desce
depressa”. O pecador, quando é chamado mediante um ministério
ordinário, replica: “Amanhã”. Escuta um sermão poderoso e diz: “Vou
voltar-me para Deus em tal dia”. As lágrimas rolam em sua face, porém
são logo limpas. Alguma bondade aparece, porém, como a nuvem
matutina, é dissipada pelo sol da tentação. Disse: “Eu prometo
solenemente converter-me num homem reformado daqui em diante.
Depois de gozar uma vez mais de meu amado pecado, vou renunciar a
meus desejos e decidir-me por Deus”. Ah! esse é somente o chamado de
um ministro, e não serve para nada.

Dizem que o caminho para o inferno está pavimentado com boas
intenções. Estas boas intenções são geradas por chamados gerais. O
caminho para a perdição está cheio de ramos de árvores sobre as quais os
homens estavam sentados, pois freqüentemente eles arrancam os ramos
das árvores, mas, eles mesmos, não descem. A palha colocada diante da
porta de um enfermo amortiza o ruído das rodas das carruagens. Assim
também há alguns que enchem seu caminho de promessas de
arrependimento, e assim avançam mais facilmente e sem ruído à perdição.
Porém, o chamado de Deus não é um chamado para amanhã: “Hoje, se
ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração, como foi na
provocação”. A graça de Deus sempre chega com prontidão; e se vocês são
atraídos por Deus, então vão correr após dEle, e não estarão falando de
esperar. O amanhã não está escrito no almanaque do tempo. Amanhã está
escrito no calendário de Satanás, e em nenhuma outra parte. O amanhã é
uma rocha esbranquiçada pelos ossos dos marinheiros que naufragaram
nela; é o farol dos destruidores, que brilha na costa, atraindo os pobres
barcos a sua destruição. O amanhã é a taça na qual o néscio finge
encontrar o pé do arco-íris, porém que ninguém nunca encontrou. O
amanhã é a ilha flutuante de Loch Lomond, que ninguém jamais viu. O
amanhã é um sonho. O amanhã é um engano. Amanhã, ah!, amanhã pode
ser que abras teus olhos no inferno, no meios dos tormentos.

Aquele relógio diz: “hoje”; todas as coisas clamam “hoje”; e o Espírito Santo
se une a estas coisas e diz: “Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o
vosso coração, como foi na provocação”. Pecadores, sentem agora a
necessidade de buscar ao Salvador? Estão aspirando uma oração? Estão
dizendo: 'Agora ou nunca! Devo ser salvo agora!'? Se estão assim, então
espero que seja um chamado eficaz, pois Cristo, quando faz um chamado
eficaz, diz:“Zaqueu, desce depressa”.

4. Trata-se de um chamado que humilha. “Zaqueu, desce depressa”.
Muitas vezes os ministros têm chamado os homens ao arrependimento
com um chamado que os deixa orgulhosos, que os exalta em sua própria
estima, e que os leva a dizer: “Posso voltar-me a Deus quando quiser; e
posso fazê-lo sem a influência do Espírito Santo”. Eles têm sido chamados
a subir, e não a descer. Deus sempre humilha a um pecador. Acaso não
posso recordar quando Deus me disse para descer? Um dos primeiros
passos que tive que dar foi descer imediatamente de minhas próprias
obras; e oh!, que tremenda queda foi essa! Logo descansei sobre minha
própria suficiência, e Cristo disse: “Desce! Derrubei-te de tuas boas obras,
e agora te derrubo de tua própria suficiência”. Tive outra queda, e estava
seguro de ter tocado o fundo, porém Cristo disse “desce!”, e me fez descer
mais ainda, todavia, a um ponto onde eu ainda sentia que era salvável.
“Desce, senhor! Desce ainda mais!”. E desci até que tive que soltar todos
os ramos da árvore das minhas esperanças, cheio de desespero: e então
disse, “eu não posso fazer nada; estou perdido”.

As águas envolveram minha cabeça e fui privado da luz do dia e pensei
que era um estranho no meio da nação de Israel. “Desce ainda mais,
senhor! Tu és demasiadamente orgulhoso para ser salvo”. Então fui
abatido ainda mais, até ver minha corrupção, minha maldade e minha
podridão. “Desce”, diz Deus, quando Ele quer salvar.
Agora, pecadores orgulhosos, ser orgulhoso não lhes serve de nada, nem
tampouco o se agarrar à árvores; Cristo lhes pede que desçam. Oh, tu, que
moras com a águia na rocha escarpada, tens que descer de tua elevação;
tu, por meio da graça, cairás, ou de outra maneira cairás um dia sob a
vingança. Ele “derribou do seu trono os poderosos, e exaltou os humildes”.

5. Continuando, é um chamado afetuoso. “Pois me convém ficar hoje em
tua casa”. Vocês podem imaginar quão facilmente o rosto da multidão
mudou! Eles consideravam a Cristo o mais santo e o melhor dos homens, e
estavam prontos para fazê-lo rei. Porém Ele disse: “Me convém ficar hoje
em tua casa”. Havia um pobre judeu que tinha estado dentro da casa de
Zaqueu; ele tinha “sido repreendido”, como se diz na linguagem popular
quando as pessoas são levadas ante a justiça, e este homem recordava que
tipo de casa era essa de Zaqueu; ele recordava como foi levado ali, e seus
conceitos dessa casa eram parecidos aos que uma mosca teria acerca de
um ninho de aranhas, após ter escapado. Havia outro homem que tinha
sido destituído de quase todas as suas propriedades; e a idéia que ele
tinha acerca de ir à casa de Zaqueu era como entrar na cova de leões.

“Como”, diziam eles, “este santo varão entrará nessa cova, onde nós,
pobres infelizes, fomos roubados e maltratados? Já era suficientemente
mal que Cristo se dirigisse a Zaqueu na árvore, porém, quão tremenda era
a idéia de ir à sua casa!”

Todos eles “murmuravam, dizendo que Ele se hospedara com homem
pecador”. Bom, eu sei o que alguns de seus discípulos pensaram: eles
pensaram que era algo muito imprudente; poderia prejudicar Sua
reputação, e ofender ao povo. Pensaram que teria podido ir à noite para ver
a este homem, como Nicodemus, e dar-lhe uma audiência quando
ninguém O veria; porém, reconhecer publicamente a um homem assim,
era o ato mais imprudente que Ele poderia fazer.

Porém, por que Cristo fez o que fez? Porque queria fazer a Zaqueu um
chamado afetuoso. “Não irei e permanecerei na entrada de sua casa, nem
olharei o interior através de tua janela, mas entrarei em tua casa; essa
mesma casa onde o pranto das viúvas tem chegado a teus ouvidos, sem
que tu o ouvisse; vou a tua sala, onde o lamento dos órfãos nunca moveu
tua compaixão; vou ali, onde tu, como um leão faminto, tens devorado a
tua presa; vou ali, onde tu tens manchado a tua casa e a feito infame; vou
ao lugar onde os gritos têm se elevando ao céu, arrancados das bocas de
todos aqueles a quem tens oprimido; vou entrar em tua casa para te
abençoar”. Oh! Quanto afeto havia nisso!
Pobre pecador, meu Senhor é um Senhor mui afetuoso. Ele quer ir à tua
casa. Que tipo de casa tens? Uma casa que tens feito miserável com tuas
bebedeiras?; uma casa que tem sido poluída com tua impureza?; uma casa
que tem sido desonrada com tuas maldições e blasfêmias?; uma casa onde
manejas negócios sujos, dos quais estarias feliz de se livrar. Cristo diz:
“Quero ir a tua casa”. Eu conheço certas casas que uma vez foram
guaridas do pecado, mas que agora Cristo vem a cada manhã; o marido e a
mulher que antes discutiam e brigavam, agora dobram seus joelhos
unidos em oração. Alguns dos meus ouvintes escassamente terão uma
hora para comer, mas eles devem ter uma para orar e ler as Escrituras.
Cristo vem a eles.

Ali onde as paredes estavam emplastadas de quadros lascivos e frívolos,
agora está colocado um almanaque cristão; na cômoda há uma Bíblia; e
ainda que a casa tenha somente um aposento, se um anjo entrar e Deus
perguntar: “O que vistes nessa casa?”, o anjo responderia: “Vi bons
móveis, pois há uma Bíblia ali; livros religiosos em abundância; os quadros
com imundícias foram destruídos e queimados; e já não há cartas de
baralho no armário desse homem; Cristo entrou em sua casa”.
Oh, que benção que possamos ter nosso Deus em casa, assim como os
Romanos tinham os seus falsos deuses! Nosso Deus é o Deus da família.
Ele vem para habitar com o Seu povo; Ele ama as tendas de Jacó. Agora,
pobre pecador maltrapilho, tu que vives nas guaridas mais imundas de
Londres, se estás me lendo hoje, Jesus te diz: “Zaqueu, desce depressa,
pois me convém ficar hoje em tua casa”.

6. Além do mais, não foi somente um chamado afetuoso, mas um
chamado permanente também. “Pois me convém ficar hoje em tua casa”.
Um chamado comum é mais ou menos assim: “Hoje entrarei em tua casa
por uma porta, e sairei por outra”. O chamado geral que o Evangelho dá a
todos os homens é um chamado que opera sobre eles durante um tempo, e
depois desaparece; porém, o chamado salvador é um chamado
permanente. Quando Cristo fala, não diz: “Zaqueu, desce depressa, pois só
vim fazer uma visita rápida”; mas, “me convém ficar em tua casa; venho
para me sentar, e comer e beber contigo; venho me alimentar contigo; é
necessário que fique hoje em tua casa”. “Ah!”, diz alguém, “é difícil dizer
quantas vezes tenho ficado impressionado, senhor, tenho freqüentemente
tido uma série de solenes convicções, e pensei que era realmente salvo,
porém tudo se desvaneceu; como num sonho, quando alguém desperta,
tudo que se sonhou desaparece, assim sucedeu comigo”. Ah! Porém, pobre
alma, não te desesperes. Sentes os esforços da graça todo-poderosa em teu
coração, mandando-lhe que te arrependas hoje? Se tu o fazes, será um
chamado permanente. Se Jesus está operando em tua alma, Ele virá e
permanecerá em teu coração, e te consagrará para Ele eternamente. Ele
diz: “Virei e morarei contigo para sempre. Virei e direi:
Aqui estabelecerei meu repouso permanente, já não andarei de cima para baixo;
Não serei mais um estranho, nem um convidado, mas o Senhor desta casa”.

“Oh!”, dizes tu, “isso é o que necessito; necessito de um chamado
permanente, algo que perdure; eu não quero uma religião que se desbote,
mas uma religião de cores perduráveis”. Pois bem, Cristo faz esse tipo de
chamado. Seus ministros não podem fazê-lo; porém, quando Cristo fala,
Ele fala com poder, e diz: “Zaqueu, desce depressa, pois me convém ficar
hoje em tua casa”.

7. Há mais uma coisa, contudo, que não posso esquecer, e é que foi um
chamado necessário. Vamos ler a passagem novamente: “Zaqueu, desce
depressa, pois me convém ficar hoje em tua casa”. Não era algo que
poderia fazer, ou não fazer; mas era um chamado necessário. A salvação
de um pecador é para Deus um assunto tão necessário, como o
cumprimento de Seu pacto de que a chuva não voltará a criar um dilúvio
no mundo. A salvação de cada filho comprado com o sangue é algo
necessário por três razões; é necessário porque é a promessa de Deus. É
necessário que os filhos de Deus sejam salvos. Alguns teólogos pensam
que é muito errado colocar uma ênfase na palavra “devam”, especialmente
nessa passagem que diz: “E era-lhe necessário passar por Samaria”.
“Bem”, dizem eles, “era-lhe necessário passar por Samaria, pois não tinha
outra alternativa, e, portanto, se viu forçado a ir por esse caminho”. Sim,
senhores, nós respondemos, sem dúvida; porém, poderia ter ido por outro
caminho. A providência estabeleceu que era-lhe necessário passar por
Samaria, e que Samaria ficaria na rota que Ele tinha escolhido. “E era-lhe
necessário passar por Samaria”.

A providência guiou aos homens para que edificassem Samaria
diretamente no caminho, e a graça moveu ao Salvador para que fosse
nessa direção. Não foi: “Zaqueu, desce depressa, pois poderia ficar hoje em
tua casa”, mas “me convém” [NT: “é necessário”, em algumas traduções]. O
Salvador sentiu uma forte necessidade. Uma necessidade tão inescapável
como a morte de cada homem, uma necessidade tão rígida como a
necessidade de que o sol nos ilumine de dia e a lua de noite, e uma
necessidade tão grande como a de que todos os filhos de Deus comprados
com sangue deverão ser salvos. “Me convém ficar hoje em tua casa”.
E oh!, quando o Senhor chega a este ponto, que deve e que quer, que coisa
tão grande é esta para o pecador! Em outras ocasiões perguntávamos:
“Deixá-lo-ei sequer entrar? Há um estranho à porta; está batendo agora; já
bateu antes; deixá-lo-ei entrar?”. Porém, agora é: “Me convém ficar hoje em
tua casa”. Não houve nenhuma chamada à porta, senão que a porta se
desintegrou em pequenos átomos e Ele entrou: “Devo fazê-lo, quero fazê-lo
e o farei; não me importa teus protestos, tua vileza, nem tua incredulidade;
devo fazê-lo e quero fazê-lo, é necessário que fique em tua casa”.

“Ah”, diz alguém, “eu não creio que Deus me leve a crer como tu crês, ou a
me tornar um cristão, de forma alguma.”. Ah!, porém se somente diz: “me
convém ficar hoje em tua casa”, não poderás apresentar nenhuma
resistência. Há alguns de vocês que desprezariam a própria idéia de ser
um religioso hipócrita; “Como, senhor? Acaso você supõe que eu posso me
converter num de seus religiosos?”. Não, meu amigo, eu não o suponho; eu
o sei com toda certeza. Se Deus diz “devo fazê-lo”, não poderá haver
nenhuma oposição. Quando Ele diz “devo”, assim se fará.

Vou-lhes contar uma anedota para demonstrar isto. “Um pai estava a
ponto de enviar seu filho à universidade; porém, como conhecia a
influência a qual estaria exposto, tinha uma profunda e ansiosa
preocupação pelo bem-estar espiritual e eterno de seu filho favorito.
Temendo que os princípios da fé cristã, que o pai havia se esforçado para
inculcar na mente de seu filho, fossem rudemente atacados, porém
também confiando na eficácia dessa palavra que é viva e poderosa, lhe
comprou, sem que o filho soubesse, um elegante volume da Bíblia, e o
colocou no fundo do baú.

O jovem começou sua carreira universitária. As bases de uma piedosa
educação logo foram quebradas, e o jovem passou da especulação às
dúvidas, e das dúvidas passou a negar a realidade da religião. Depois de se
converter, em sua própria estima, em alguém mais sábio que o seu pai,
descobriu um dia com grande surpresa e indignação, enquanto
inspecionava seu baú, o depósito sagrado. Retirou-o dali e enquanto
deliberava acerca do que faria com o livro, determinou que o usaria como
papel descartável, com o qual limparia a navalha ao se barbear. De acordo
com isto, cada vez que ia fazer a barba, arrancava uma página ou duas do
santo livro, e as usava até que quase metade do livro já tinha sido
destruído. Porém, enquanto levava a cabo este ultraje contra o livro
sagrado, fixava os olhos em algum texto de vez em quando, que penetrava
como a ponta aguda de uma flecha em seu coração. Ao cabo de um tempo,
escutou um sermão, que lhe revelou o seu próprio caráter, e como se
encontrava debaixo da ira de Deus, e se gravou em sua mente a impressão
que ele tinha recebido da última página arrancada do bendito, ainda que
insultado, volume. Se houvesse mundos a sua disposição, os teria dado
com todo prazer, se isso lhe houvesse servido para desfazer o que havia
feito. Finalmente encontrou o perdão aos pés da cruz. As folhas que tinha
arrancado do volume sagrado trouxeram cura à sua alma; pois essas
folhas o levaram a descansar na misericórdia de Deus, que é suficiente
para o principal dos pecadores”.

Digo-lhes que não há um réprobo caminhando pelas ruas e contaminando
o ar com suas blasfêmias, e nenhuma criatura quase tão depravada como
o próprio Satanás, que não possa, se for um filho da vida, ser alcançado
pela misericórdia. E se Deus diz: “Me convém ficar hoje em tua casa”,
então, certamente o fará. Tu, meu querido ouvinte, sentes, neste exato
momento, algo em tua mente que parece te dizer que resististes ao
Evangelho durante muito tempo, porém que hoje já não podes resistir
mais? Sei que sentes que uma mão mui forte te agarrou, e ouves uma voz
que diz: “Pecador, é necessário que fique em tua casa; freqüentemente tens
me desprezado, freqüentemente tens rido de mim, freqüentemente tens
cuspido ao rosto da misericórdia, freqüentemente tens blasfemado do meu
Nome, porém pecador, devo ficar em tua casa; ontem fechaste a porta na
cara do missionário, queimaste o livro que te deu, ristes do ministro,
amaldiçoastes a casa de Deus, profanastes o dia do Senhor; mas, pecador,
Eu devo ficar em tua casa, e ficarei!”.

“Como, Senhor?”, respondes, “Ficar em minha casa? Ela está coberta de
iniqüidade. Ficar em minha casa? Não há nem uma sala, nem uma mesa
que não gritem contra mim. Ficar em minha casa? As vigas, as colunas e o
piso levantariam e Te diriam que não sou digno de beijar a orla do Teu
vestido. Como, Senhor? Ficar em minha casa?”. “Sim”, Ele diz, “devo fazêlo;
há uma necessidade mui poderosa; meu poderoso amor me constrange,
e, quer me deixes entrar ou não, estou decidido a fazer o que quero, e tu
me deixarás entrar”.

Não te surpreende isto, pobre pecador temeroso; tu, que pensavas que o
dia da misericórdia já tinha passado, e que a campainha da destruição já
tinha soado nos funerais de tua morte? Oh! não te surpreende isto, que
Cristo não somente está te pedindo que venhas a Ele, mas que Ele mesmo
está Se convidando à tua mesa, e ainda mais, quando tu quiser rejeitá-Lo,
amavelmente diz: “É necessário, tenho que entrar”?

Pense somente em Cristo, caminhando após um pecador, clamando após
ele, rogando ao pecador que O permita salvá-lo; e isso é exatamente o que
Jesus faz com os Seus eleitos. O pecador foge dEle, porém a graça
imerecida o persegue dizendo: “Pecador, vem a Cristo”; e se nossos
corações estão fechados, Cristo põe Sua mão na porta, e se não O
recebemos, mas O rechaçamos com frieza, Ele diz: “É necessário, devo
entrar”; Ele chora sobre nós até que Suas lágrimas nos ganhem; Ele
chama após nós até que Sua voz prevaleça; e finalmente, na hora que Ele
determinou, entra em nosso coração, e ali mora.“Me convém ficar hoje em
tua casa”, disse Jesus.

8. E agora, por último, esse chamado foi um chamado eficaz, pois vemos
os frutos que produziu. A porta de Zaqueu foi aberta; sua mesa foi servida;
seu coração era generoso; suas mãos foram lavadas; sua consciência foi
aliviada; sua alma estava gozosa. “Senhor”, disse ele, “eis que eu dou aos
pobres metade dos meus bens; e, se em alguma coisa tenho defraudado
alguém, o restituo quadruplicado”. E Zaqueu despoja de outra parte de
seus bens.

Ah! Zaqueu, tu irás à cama esta noite sendo muitíssimo mais pobre de
como o eras esta manhã (porém, infinitamente mais rico também), pobre,
muito pobre, em bens deste mundo, comparado ao que tinhas quando
subiste a esse sicômoro; porém mais rico (infinitamente mais rico) em
tesouros celestiais. Pecador, nisto saberemos se Deus te chama: se Ele
chama, será um chamado eficaz; não um chamado que tu escutas e logo
esqueces. Mas um chamado que produz boas obras. Se Deus te chamou
esta manhã, cairá ao chão teu cálice de bêbado, e se elevarão tuas
orações; se Deus te chamou esta manhã, todas as persianas de tua loja
estarão fechadas, e porás um letreiro que diz: “Esta casa está fechada no
dia do Senhor, e nunca voltará a estar aberta neste dia”. Amanhã haverá
esses e aqueles divertimentos mundanos, porém, se Deus te chamou, não
irás. E se roubaste a alguém (e quem sabe se não há um ladrão entre os
meus ouvintes?), se Deus te chama, restituirás ao roubado; abandonarás
tudo para poder seguir a Deus de todo o seu coração.

Não cremos que um homem tenha se convertido, a menos que renuncie
aos erros de seus caminhos; a menos que, de maneira prática, chegue ao
conhecimento que o próprio Cristo é Senhor de sua consciência e que Sua
lei é a sua delícia. “Zaqueu, desce depressa, pois me convém ficar hoje em
tua casa”. E Zaqueu desceu depressa e O recebeu cheio de gozo. “E,
levantando-se Zaqueu, disse ao Senhor: Senhor, eis que eu dou aos pobres
metade dos meus bens; e, se em alguma coisa tenho defraudado alguém, o
restituo quadruplicado. E disse-lhe Jesus: Hoje, veio a salvação a esta
casa, pois também este é filho de Abraão. Porque o Filho do Homem veio
buscar e salvar o que se havia perdido”.

Agora, uma ou duas lições. Uma lição para o orgulho. Desçam, corações
orgulhosos, desçam! A misericórdia corre nos vales, porém não sobe aos
picos das montanhas. Desçam, desçam, espíritos altivos! “Porque ele abate
os que habitam em lugares sublimes, e a cidade exaltada humilhará até ao
chão, e a derribará até ao pó”. E logo a constrói outra vez. Além do mais,
uma lição para ti, pobre alma desesperada: me dá gosto ver-te na casa de
Deus nesta manhã; é um bom sinal. Não me importa para que vieste.
Talvez ouviste que há um tipo estranho que prega aqui. Não te preocupes
por isso. Tu és tão estranho quanto ele. É necessário que haja homens
estranhos para que possam reunir aos outros homens estranhos.
Agora, eu tenho uma multidão de pessoas congregadas aqui; e se me
permitem usar uma figura de linguagem, eu poderia compará-los a um
grande montão de cinzas entremescladas com limalhas de aço. Porém, se
meu sermão tem o apoio da graça divina, servirá como um tipo de imã: não
atrairá às cinzas; elas ficarão onde estão; porém, terá a capacidade de
atrair às limalhas de aço. Tenho ali a um Zaqueu; ali acima está uma
Maria, e a um João ali embaixo, a Sara, ou a William, ou a Tomé. Ali estão
(os escolhidos de Deus) as limalhas de aço no meio da congregação de
cinzas, e o meu Evangelho, o Evangelho do Deus bendito, como um
grandioso imã, os extrai das cinzas. Ali vem, ali vem. Por quê? Porque
existiu um poder magnético entre o Evangelho e os seus corações.

Ah!, pobre pecador, vem a Jesus, crê em Seu amor, confia em Sua
misericórdia. Se tu tens o desejo de vir, se estás abrindo caminho entre as
cinzas para vir a Cristo, então, é porque Cristo está te chamando. Oh!
todos vocês que se reconhecem como pecadores, seja homem, mulher, ou
criança, sim, vocês pequeninos (porque Deus tem me dado muitos de
vocês, para que sejam minha recompensa), sentem-se pecadores? Então,
creiam em Jesus e serão salvos. Tu tens vindo aqui por pura curiosidade,
muitos de vocês. Oh! que vocês sejam encontrados e salvos. Preocupo-me
por vocês, para que não se afundem no fogo do inferno. Oh! escutem a
Cristo, enquanto Ele lhes fala. Cristo diz, “desce”, nesta manhã.

Vão para casa e humilhem-se diante de Deus: vão e confessem suas
iniqüidades com as quais tem pecado contra Ele; vão para casa e digam a
Ele que estão na miséria e na ruína sem Sua graça soberana; e logo olhem
para Ele, pois tenham a certeza que Ele olhou para vocês primeiro. Tu
podes dizer: “Oh, senhor! Eu quero verdadeiramente ser salvo, porém temo
que Ele não queira me salvar”. Alto lá! Alto lá! Basta! Sabes que isso é uma
blasfêmia parcial? Quase. Se não fosses um ignorante, eu te diria que é
uma blasfêmia parcial. Não podes olhar para Cristo antes que Ele tenha
olhado para ti. Se queres ser salvo, é porque Ele pôs em ti esse desejo. Crê
no Senhor Jesus Cristo, e recebe o batismo e serás salvo. Confia que o
Espírito Santo esta te chamando. Jovem que estás aí em cima, tu também
que estás na janela, desce depressa! Desce! Ancião que estás sentando
neste banco, desce. Comerciante que estás naquele corredor, desce
depressa. Dama e jovem que não conhecem a Cristo, oh, que Ele olhe para
vocês. Avó anciã, escute este chamado de graça imerecida; e tu, jovem
rapaz, Cristo pode estar olhando para ti (confio que Ele está) e te dizendo:
“desce depressa, pois me convém ficar hoje em tua casa”.